CANGAÇO

Lampião e Corisco: Uma dura perseguição a família Juremeira no Olho D’água dos Coelhos.
“Santo Antonio da Glória do Curral dos Bois no tempo do cangaço”. 
Por João de Sousa Lima 

Curral dos Bois foi uma das primeiras povoações a acolher Lampião depois que ele atravessou de Pernambuco pra Bahia.
O Chefe Político de Glória, o coronel Petronilio de Alcântara Reis, acabou tendo seu nome ligado com o cangaço e Lampião em várias histórias, foi coiteiro famoso e também inimigo depois que traiu Lampião, traição que Lampião pagou incendiando várias fazendas do coronel dentro do Raso da Catarina.
Uma das mais importantes famílias de Glória, família de sobrenome Juremeira, que vivia no povoado Olho D’água dos Coelhos, sofreu grande perseguição de Lampião e Corisco.
Para entender um pouco da história dessa família e a ligação com o cangaço devemos tomar conhecimento que Pedro Juremeira foi delegado na fazenda Caibos (Caibros) e por isso ficou marcado pelo cangaço. Era também quem fazia a segurança do coronel Petro e era proprietário de um barco que fazia a travessia do Rio São Francisco entre Bahia e Pernambuco, entre Rodelas e Petrolândia. A fazenda Caibos hoje esta inundada e as pessoas estão residindo nas agrovilas II e III.
Lampião mandou um recado para Pedro para que em um dia marcado ele fizesse a travessia dos cangaceiros do lado pernambucano para o lado baiano e Pedro não atendendo a solicitação, convocou alguns policiais e quando da aproximação dos cangaceiros acabaram trocando tiros com o grupo de Lampião, começando ai uma grande “Rixa” entre os dois.
Em uma das perseguições dos cangaceiros a Pedro Juremeira, Corisco, a mando de Lampião, pegou um primo de Pedro, chamado Leonídio (Lió), no povoado Olho D’água dos Coelhos, pra ele informar onde poderia encontrar Manuel Juremeira, pois não conseguiam encontrar Pedro e quem iria pagar a vingança dos cangaceiros era Mané Juremeira. Lió levou os cangaceiros até a roça “Pé da Serra” e chegando lá prenderam Manuel na roça e o trouxeram para sua residência, onde estava a esposa Hermenegilda “Miné” com os quatro filhos: Otacílio, Ananias, Lídia e Joana.
Na casa de Leonídio ficaram três cangaceiros vasculhando baús e armários em busca de jóias e dinheiro enquanto Corisco seguia com mais dois cangaceiros e o refém para a roça.
Chegando próximo de Mané Juremeira Corisco sentenciou o aflito rapaz de morte dizendo:
- Sabe com quem ta falando?
- não!
- Corisco! Você vai morrer no lugar de seu irmão!
- Eu sou contra meu irmão! Morrerei inocente e sem culpa, mais maior que Deus, ninguém!
- Nada de Deus! Deus hoje aqui é a gente!
    Os cangaceiros manobraram os fuzis e apontaram para os peitos e costelas de Manuel. Nesse momento dona Miné saiu de dentro da casa  e correu e se abraçou com o marido:
- Aqui você não mata não! Meu marido é inocente!
- Saia da frente que vim matar foi homem e não mulher!
Nesse momento foi chegando Filigeno Furtuoso, amigo de Manuel que era tropeiro e residia na Tapera da Boa Esperança, em Penedo, Alagoas. O amigo sempre que passava na região dormia na casa de Manuel pra no outro dia viajar até Jeremoabo, onde comprava uma carga de fumo para sair revendendo, em sua junta de cinco burros.
Diante dos olhares dos cangaceiros e da situação em que encontrou o amigo Manuel, o tropeiro falou:
- Taí esses cinco burros arreados e eu lhe dou em troca da vida desse homem!
- Negativo! O senhor tem dinheiro?
- Não tenho! O que eu tinha era 800 contos de réis mais os outros cangaceiros que estão na casa de Leonídio já pegaram.
- E daqui a 30 dias?
Nesse momento o próprio Manuel respondeu:
- Ai eu tenho!
- Então vou liberar você e se não pagar eu volto e mato todo mundo.
Manuel escapou nessa hora.
   O sargento Zé Izídio ficou sabendo do acontecido e intimou Manuel a ir a delegacia. Quando Manuel chegou o sargento o acusou:
- É você que é Mané Juremeira protetor de bandido?
- Sou Mané Juremeira, mais protetor de bandido não! Eu prometi pagar uma quantia para não morrer!
- Então agora você vai ter que vir morar em Glória!
Manuel foi obrigado a vir residir em Glória e nunca pagou a quantia estipulada por Corisco. Tempos depois os cangaceiros acabaram encontrando o tão procurado Pedro Juremeira em uma fazenda chamada Papagaio, em Pernambuco. Pedro estava dentro de uma casa e os cangaceiros o cercaram, prenderam o rapaz, amarraram em um mourão, perfuraram o corpo do rapaz todo com pontas de punhais e foram almoçar na residência. Depois do almoço os cangaceiros retornaram onde estava o corpo e descarregaram as pistolas na cabeça do já falecido jovem.
Depois de três dias da morte de Pedro, o pai de do rapaz, Teodório Juremeira, mandou um recado para uns amigos descerem o corpo de Pedro em uma canoa até Santo Antônio da Glória onde foi enterrado. Quando a família encontrou o corpo já estava apodrecido e tiveram que derramar uma lata de creolina.
Trinta dias depois do sepultamento os cangaceiros mandaram o portador Martim Gabriel, primo de Manuel Juremeira, que residia nas Caraíbas, Brejo do Burgo, com uma carta, cobrando o dinheiro que Manuel prometeu.
- Diga a eles que não mando não! Eu já moro na cidade e se eles quiserem vim aqui incendiar minha casa pode vir!
Depois de três anos o governo armou toda a população de Santo Antônio da Glória. Mané. Otacílio e Ananias pegaram em armas para fazer essa defesa do local.
Quando mataram Lampião a família Juremeira retornou para suas roças no Olho D’água dos Coelhos, porém, na época de Lampião e Corisco, quando eles eram os senhores das caatingas do Raso da Catarina, “Os Juremeiras” sofreram perseguições e mortes.
 

Manuel Juremeira e Hemernegilda de Araújo
Otacílio Juremeira
                                          Escritor João de Sousa Lima e José Juremeira Filho



João de Sousa Lima. Historiador e Escritor
Membro e Vice-Presidente da Academia de Letras de Paulo Afonso.
Membro da SBEC – Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço.
 
O OUSADO ATAQUE CANGACEIRO DE 27 DE JULHO DE 1924 À CIDADE DE SOUSA/PB.

Por José Romero Araújo Cardoso
Quando dos festejos do reveillon do ano de 1923, em Triunfo (PE), acalorada discussão envolvendo Marcolino Pereira Diniz e o magistrado local, de nome Dr. Ulisses Wanderley, resultou em tragédia, pois o primeiro, filho do poderoso "Coronel" Marçal Florentino Diniz, também sobrinho e cunhado do "Coronel" José Pereira Lima, chefe político de Princesa, alvejou o juiz, seguindo-se ainda disparo efetuado por homem da confiança do caboclo Marcolino, conhecido por "Tocha". O magistrado ainda conseguiu reagir, atirando em Marcolino.

Raciocinando sobre a dimensão do fato, não restou outra alternativa ao guarda-costa de Marcolino a não ser escapar da grande enrascada em que se meteram. Marcolino foi preso, sendo constantemente ameaçado pelos familiares e amigos do magistrado assassinado.

Pressentindo o imenso perigo que o filho corria, o "Coronel" Marçal Florentino Diniz recorreu aos préstimos de Virgulino Ferreira Lampião para retirar Marcolino da cadeia em Triunfo. Lampião e seu séqüito composto de oitenta homens cercaram Triunfo e exigiram a imediata libertação do prisioneiro, o que foi prontamente atendido pelas autoridades locais.

Levado à Princesa, Marcolino recuperou-se do tiro que sofreu. Recrudescia a antiga amizade entre Lampião e Marcolino. Fotos históricas retrataram Lampião e seus "cabras", no ano de 1922, na Fazenda da Pedra, propriedade de Laurindo Diniz, irmão do "Coronel" Marçal Florentino Diniz. Portanto, era bem firmada a relação de coiterismo que foi estabelecida na região serrana, fronteira do Estado da Paraíba com o Estado de Pernambuco.

Nos meses seguintes, já no ano de 1924, houve combates intensos entre cangaceiros e volantes pernambucanas. Entre Conceição do Piancó (PB) e São José do Belmonte (PE) Lampião foi ferido no tornozelo, passando péssimos momentos em razão da gravidade do estrago que o projétil provocou.

Dias se passaram até que chegou ao conhecimento de Marcolino a situação que o importante aliado estava passando. Foi enviado grupo de resgate, comandado por Sabino Gório, para resgatar o cangaceiro.

Lampião foi levado para o reduto de Marcolino, o lugarejo de Patos de Irerê, localizado a cerca de 18 km de Princesa (PB), no sopé da serra do Pau Ferrado. Duas propriedades de Marcolino - a Manga e o Saco dos Caçulas - eram antigos valhacoutos de Lampião e seu bando, há tempos imemoriais.

O cangaceiro-mor, substituto de Sinhô Pereira no comando do grupo que liderava antes da retirada para o Estado do Goiás, foi tratado por dois médicos contratados por Marcolino. Chamavam-se Dr. José Cordeiro e Dr. Severiano Diniz, sendo este último parente próximo do homem que foi imortalizado com a esposa por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira em belíssimo baião por título "Xanduzinha".

Distante de princesa, a cidade de Sousa vivia clima de ebulição. Disputas políticas resultaram em tragédias, como a que envolveu o embate no barracão do "Coronel" João Pereira, em Nazarezinho (PB), então distrito sousense.

Filho do "Coronel" João Pereira, de nome Francisco Pereira Dantas, sentiu o peso da moral sertaneja, desprezando conselhos do pai, o qual faleceu exigindo que não se vingassem. Assassinou o único sobrevivente dos que atacaram o velho patriarca em seu estabelecimento comercial.

Conversas a boca miúda diziam que os mandantes da morte do "Coronel" João Pereira eram pessoas importantes da sociedade sousense, como o destacado e influente cidadão de nome Otávio Mariz.

Em um dia de feira em Sousa, Otávio Mariz notou animada conversa entre um bodegueiro de Nazarezinho (PB), de nome Chico Lopes, e "cabra" da inteira confiança de Chico Pereira, de nome Chico Américo. A duração da conversa despertou a desconfiança de Otávio Mariz.
Nas bancas da feira procurou uma chibata para comprar, indo ao encontro dos dois palestrantes. Encontrou apenas Chico Lopes. Aplicou-lhe surra magistral e pediu-lhe para ir à fazenda Jacu, reduto dos Pereira Dantas, em Nazarezinho (PB), avisar a Chico Pereira que tinha outra prometida para ele.

No Jacu, Chico Lopes detalhou todo acontecido. A família do "Coronel" assassinado perguntou-lhe o que ia fazer, tendo Chico Lopes respondido estar decidido ir até Princesa, conversar com Lampião sobre o melindroso e humilhante assunto. Havia um irmão de Chico Lopes que integrava o bando de Lampião há alguns anos. Isso facilitou a decisão do chefe supremo do cangaço em enviar dezessete homens de sua confiança para Nazarezinho. Antônio e Levino Ferreira, bem como Meia-Noite e Sabino Gório, também integravam o grupo que iria se responsabilizar pela mais aviltante ação cangaceira no Estado da Paraíba.

Notícias corriam céleres, dando conta da aproximação do grupo cangaceiro. Em Sousa alguns aventavam a hipótese de organizar defesa, mas como não acreditaram na possibilidade de tamanha ousadia, relaxaram completamente.

Ao chegar ao Jacu, os dezessete homens foram recepcionados efusivamente. O número final de bandidos prontos a atacar Sousa, aumentado com muitos da região, somava oitenta e quatro quadrilheiros dispostos.

Antes do amanhecer do dia 27 de julho de 1924, os bandidos cortaram a linha do telégrafo e invadiram Sousa, cuja maioria da população foi pega totalmente desprevenida. Pequena resistência partiu da residência de Otávio Mariz, principal alvo dos atacantes. Experiente e tarimbado sertanejo, Otávio Mariz escapuliu quando viu que não poderia resistir ao implacável ataque.

Tudo em Sousa virou alvo de saque, os cangaceiros roubaram o comércio, residências, tudo, prejuízo incalculável que marcou indelevelmente a história sousense.Feras endiabradas davam vazão a todos os instintos selvagens possíveis e imagináveis. O destacamento local, comandado pelo então Tenente Salgado, não conseguiu realizar qualquer ação de defesa em Sousa, verdadeiro suicídio se tivesse havido consumação.

Grupo composto de quase duas dezenas de bandidos, liderados por cangaceiro conhecido por "Paizinho", teve como alvo principal a residência do juiz local, de nome Dr. Archimedes Soutto Mayor. "Paizinho" tinha queixas pessoais contra o magistrado, a quem acusava de tê-lo condenando injustamente. Retirado ainda com roupas de dormir, o Juiz foi submetido a todo tipo de suplicia e humilhação, sendo forçado a andar de cangalha e em posição vexatória pelas ruas de Sousa. O ato final seria o assassinato do magistrado, mas Chico Pereira interveio e evitou a consumação do ato extremo.

O magistrado, depois de tudo, no ensejo dos desdobramentos do audacioso ataque cangaceiro à cidade de Sousa, assumiu a responsabilidade de fazer merecida justiça contra àquelas feras que o atacaram.

A rede de informações montada por Lampião era impecável e precisa. Logo ele ficou sabendo dos estragos em Sousa e, principalmente, do que fizeram com o juiz. Rodopiava nos calcanhares, ainda sentindo dores terríveis, empunhando Parabellum e raciocinando sobre o futuro dali para frente. Homem de raciocínio rápido, Lampião sabia que em breve enfrentariam duras batalhas contra as forças volantes paraibanas, extremamente tolerantes devido ao respeito ao "Coronel" José Pereira Lima e a Marcolino Pereira Diniz.

Lampião estava certo. A providência inicial do recém instalado governo de João Suassuna foi a instalação do segundo batalhão da Polícia Militar Paraibana na cidade de Patos das Espinharas, com absoluto aval para dar caça ininterrupta aos cangaceiros. A responsabilidade pela iniciativa maior de efetivar a campanha paraibana contra o cangaço liderado por Lampião coube, naturalmente, ao "Coronel" José Pereira Lima.

Não obstante a proteção que Lampião desfrutou em Princesa, seria inadmissível que o chefe político das terras da lagoa da perdição tolerasse tamanha afronta, principalmente em razão da forma como o magistrado sousense foi humilhado pelos cangaceiros.

No ensejo da caçada movida contra os bandoleiros, há fato digno de registro, referente à resistência efetivada pelo cangaceiro Meia-Noite em uma casa de farinha no sítio Tataíra, fronteira entre os estados da Paraíba e de Pernambuco. Na companhia da esposa, Meia-Noite, embora a mulher não tenha participado do combate, enfrentou combinado de volantes, comandados pelo então Tenente Manuel Benício, e tropa de cachimbos (civis em armas) contratada pelo "Coronel" José Pereira. Meia-Noite lutou contra oitenta e dois homens, ferindo dezoito. Escapuliu do tiroteio, mas a esposa ficou no local em que se entrincheirara, sendo depois conduzida à cadeia de Princesa. No local, conforme Érico de Almeida, primeiro biógrafo de Lampião, autor do livro "Lampeão, sua história" (1926(1ª ed.), 1996( 2ª ed.), 1998(3ª ed) ), foram encontradas quatrocentas e noventa e duas balas de fuzil mauser DWN, modelo 1912.

Em seguida, devido às volantes paraibanas estarem assanhadas com a ordem capital de darem combates violentos aos cangaceiros, inúmeros enfrentamentos foram registrados, como a batalha do Tenório, no ano de 1925, quando Levino Ferreira foi assassinado pelo volante Belarmino Morais, comandado pelo então cabo José Guedes. Como forma de se vingar do "Coronel" José Pereira, a quem culpava pela morte do irmão, Lampião e seu bando invadiram humildes propriedades em princesa, como a do Caboré, assassinando diversas pessoas, incluindo entre essas um ancião de provecta idade de noventa e dois anos e um garoto de apenas doze anos.

O governo paraibano invocou o convênio anti-banditismo, firmado no ano de 1922 em Recife (PE), obtendo permissão para que suas forças de segurança pública em perseguição aos bandoleiros adentrassem os territórios de outros estados nordestinos.

O grupo cangaceiro, em certa ocasião no ano de 1925, foi localizado na região de Serrote Preto. Desprezando as mais elementares táticas militares, os volantes paraibanos atacaram irresponsavelmente o valhacouto de Lampião. As estratégias guerrilheiras foram implementadas impecavelmente pelos cangaceiros, resultando em horrível carnificina, na qual pereceram os comandantes Tenentes Joaquim Adauto e Francisco de Oliveira, além de mais de uma dezena de soldados.

Abalado com a perseguição tenaz que as volantes paraibanas realizavam, Lampião evitou a Paraíba, pois seus antigos protetores não estavam mais propensos a desafiar as ordens do governo paraibano, bem como a decisão irredutível do "Coronel" José Pereira Lima em buscar erradicar o cangaço liderado por Lampião, pelo menos em terras paraibanas.

Para Chico Pereira não houve outra saída, em razão da gravidade dos fatos ocorridos em Sousa, a não ser acompanhar o grupo de Lampião pelas adustas plagas sertanejas. Travou combate em Areias do Pelo Sinal, entre Princesa e o distrito de Alagoa Nova (Hoje Manaíra), depois, vítima de picada de cascavel, em território pernambucano, amargou provações inenarráveis.

O extenso processo elaborado pelo Dr. Archimedes Soutto Mayor mostrou-se simpático a Chico Pereira, eximindo-o de algumas culpas e louvando diversas interferências realizadas quando do ataque cangaceiro do dia 27 de julho de 1924 à cidade de Sousa.

Perseguido, embora tolerado discretamente, Chico Pereira era, no entanto, alvo de olhares vingativos, sobretudo em razão de suas práticas donjuanescas. Sedutor, Chico Pereira desafiava importante elemento da moral sertaneja. Ao que tudo indica, houve a sedução de uma sobrinha do governador norte-riograndense Juvenal Lamartine, em Serra Negra (RN).

Provavelmente houve um conluio entre Juvenal Lamartine e seu colega João Suassuna para eliminar Chico Pereira. João Suassuna, através de irmão de nome Antônio, empenhou a palavra sobre a total liberdade do homem que foi obrigado a se tornar cangaceiro devido à morte do pai, motivada pela política acirrada dos turbulentos anos da década de vinte do século passado.

Na festa da padroeira de Cajazeiras, no ano de 1928, Chico Pereira foi detido por oficiais da polícia militar paraibana. Manuel Arruda de Assis foi o responsável pela prisão. Conduzido a Pombal, onde tinha praticado crime, quando do cerco ao velho casarão de Antônio Mamede no sítio Pau Ferrado, Chico Pereira ia ser transferido para Princesa, onde havia assassinado soldado de nome Pierre.

A escolta que o conduzia rumou em direção a Santa Luzia. Havia um crime atribuído a ele em Acari (RN), referente a um roubo praticado contra o velho "Coronel" Quincó da Ramada.

Era parte do esquema estruturado por Juvenal Lamartine para liquidá-lo. Joaquim de Moura, famanaz executor de bandoleiros, foi o responsável pela morte de Chico Pereira.

O ataque do bando de Lampião à cidade de Sousa foi um dos mais ousado ato praticado pelos bandoleiros das caatingas, cuja marca indelével permaneceu por tempos e ainda resiste na memória de poucos que tiveram a infelicidade de presenciar a verdadeira baderna que os cangaceiros fizeram na simpática cidade sorriso no longínquo dia 27 de julho de 1924.

(*) José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Professor Adjunto do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografia e Gestão Territorial (UFPB) e em Organização de Arquivos (UFPB). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA - UERN).
O ESTUDO DO CANGAÇO DENTRO DA HISTORIOGRAFIA MODERNA
Por Junior Almeida
Desde os tempos remotos da humanidade existem pessoas que se dedicam em contar a história dos povos. Relatos de mudanças de costumes das sociedades, guerras, revoluções, de grandes líderes políticos, profetas, santos, imperadores, reis, presidentes, generais...

Os gregos foram os primeiros a organizar a história, sendo Herótodo (485-420 a.C.) considerado o “Pai da História. Herótodo após viajar pelo mundo antigo e depois publicar uma coletânea de nove livros denominados "Histórias", entre 430 e 424 a.C., que dentre outros temas tratava sobre as guerras entre gregos e persas, foi chamado assim pelo romano Cícero, título que perdura até os dias atuais.

Muito tempo depois, mais de dois milênios, já descoberto o “Novo Mundo” e com várias invenções modernas servindo à humanidade, o pensador francês Auguste Comte (1798-1857) quis organizar o estudo da História, criando a corrente filosófica denominada “Positivismo”, que tinha objetivo de reorganizar o conhecimento humano, idéias essas que tiveram grande influência no Brasil. Os positivistas achavam que a história devia ser contada exatamente como os documentos diziam ter acontecido, sem margens para que pesquisadores fizessem interpretações de fontes ou mesmo do contexto histórico vivido pela sociedade da época do fato narrado.

Um dos pontos negativos da Escola Positivista, pensada por Comte, eram os tipos de fontes histórias aceitas pelos pesquisadores, que se limitava a documentos escritos, e mesmo assim que fossem oficiais. Pelo pensamento dos positivistas, eram história apenas os potentados monarcas, presidentes, dentre outros, desprezando-se assim, por exemplo, a história de um determinado soldado, que durante uma guerra foi o responsável pelo êxito de uma missão, ficando a glória da conquista e o nome na história do general comandante da tropa que ele fazia parte.

Só como exemplo, vamos raciocinar um pouco: No descobrimento do Brasil, quem será que primeiro avistou as “Terras de Santa Cruz”, aquele marujo que ficava no cesto de observação no mastro do navio, ou Cabral, que contam os livros que gritou “terra à vista”, e é, segundo a história oficial, o descobridor do nosso país? Alguém já ouviu falar na história desse marinheiro? Certamente que não, pois pelos positivistas, é como se ele nunca tivesse existido.

Um pouco mais tarde, no final da década de 1920, alguns pensadores resolveram se rebelar contra essa corrente de pensamento, e passaram a aceitar diversos tipos de fontes históricas, como filmes, fotografias, depoimentos orais, canções, pinturas, jornais, esculturas, e tudo que pudesse fazer entender o que tinha acontecido no passado, foi a chamada “Revolução Documental”, e o movimento ficou sendo chamado de “Escola dos Annales”. Os fundadores dessa corrente de estudo, Lucien Febvre e Marc Bloch, representam a primeira geração dos Annales, que foi de 1929 a 1945, sendo Fernand Braudel o principal nome da segunda geração, de 1945 a 1968. A terceira geração a partir de 1968 até os dias atuais, não teve um nome que se destacasse, pois o estudo da História foi “pulverizado”, fazendo com que historiadores se dedicassem a temas que mais se identificassem ou que tivessem um maior domínio. Surgiu assim a “Micro História”, termo criado pelos italianos Carlo Ginzburg e Giovanni Levi.

Com a liberdade de poder narrar os fatos de uma rua, de uma marca de perfume, de um carro, de um simples soldado em batalha, das mulheres, de um sindicato, por exemplo, o historiador passou a contar fatos menores sem deixar de contar história como ciência. Nesse contexto, a história pode ser entendida como uma espécie de redemoinho, onde se pode ir da menor a maior ou vice versa. A História do Brasil, tomando como exemplo, pode ser subdividida pela História do Nordeste, que por sua vez também pode ser fragmentada, sendo um desses fragmentos a saga do fenômeno cangaço, que como não poderia deixar de ser, é formada por pequenas histórias de coiteiros, cabras, volantes, vítimas e claro: cangaceiros.

Escritores pioneiros como Xavier de Oliveira, Érico Almeida, Ranulfo Prata, Rodrigues de Carvalho, ou outros mais novos no tempo, mas com um bom tempo de estrada como o paulista Antônio Amaury, o americano Billy Jaynes Chandler, os volantes João Gomes de Lira e Optato Gueiros, Rui Facó, Oleone Coelho Fontes, Alcino Alves Costa, Mariloudes Ferraz, Luiz Ruben F. A. Bonfim, Frederico Pernambucano de Mello, até os mais recentes como Marcos De Carmelita Carmelita, Cristiano Ferraz, Cicinato Ferreira, Louro Teles, Geraldo Ferraz e João de Souza Lima, dentre vários, todos eles contaram e alguns continuam contando suas micro histórias, que fazem parte do todo, que é a história do cangaço, que por sua vez é a história do Nordeste e do Brasil.

Em tempos modernos de internet, além dos livros, os blogs e as redes sociais são incríveis ferramentas de informação e interação dos aficionados pelo tema cangaço. Blogs especializados no assunto como Cariri Cangaço, de Manoel Severo Barbosa, Lampião Aceso, de Kiko Monteiro, Blog do Mendes, de Jose Mendes Pereira, Tok de História, de Rostand Medeiros, Caiçara dos Rios dos Ventos, de Raul Meneleu Mascarenhas, João De Sousa Lima, do homônimo, dentre outros, são acessados diariamente por centenas de pessoas que buscam novidades editoriais e eventos do tema.

Na rede social mais importante do mundo, o Facebook, grupos como “Ofício das Espingardas”, do sertanejo Sálvio Siqueira, “Lampião, Cangaço e Nordeste”, administrado por Voltaseca Volta, perfil que tem o nome do “cangaceiro menino”, e foi criado por algum pesquisador que quis se manter oculto, “Historiografia do Cangaço”, da professora piauiense Noádia Costa e Geziel Moura, o grupo “Cangaceiros”, de Pedro R. Melo e “O Cangaço”, de Geraldo Júnior, têm milhares de membros, que diariamente trocam informações sobre cangaço, coronelismo, messianismo e tudo que se relaciona com o Nordeste. Essas pessoas, de várias partes do país, e até de fora do Brasil, contam suas micro histórias, que somadas como se fossem tijolos, formam a parede da história, que por sua vez é parte de uma construção maior que é a História.

*Foto do blog Cangaço na Bahia, colorizada por Rubens Antônio.

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Júnior Almeida


Euclides José de Almeida Junior (Junior Almeida), escritor nascido em Garanhuns, PE), atualmente residente em Capoeiras, PE. Graduando em História em Garanhuns.
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PADRE CÍCERO, COITEIRO DE LAMPIÃO? NÃO ACREDITO!
Por Daniel Walker

Muitos historiadores e inimigos gratuitos do Padre Cícero o colocam na lista dos coronéis que foram coiteiros ou protetores de Lampião. O escritor Luiz Luna, por exemplo, no seu livro Lampião e seus cabras, p.70, diz categoricamente: “Padre Cícero Romão Batista foi o maior protetor de cangaceiros em todo o Nordeste”.

Mas ninguém mostra documentos insuspeitos para confirmar a denúncia. E não o fazem porque simplesmente não existe comprovação documental do fato. Discordo de quem afirma ser Padre Cícero um dos coiteiros do Rei do Cangaço, tendo em vista as considerações abaixo:

a) Primeiramente, a pecha de Coronel, no sentido como o termo é usado e entendido no Nordeste, não coaduna com o comportamento e a personalidade do Padre Cícero. Ninguém conhece registro da existência de armas em sua casa ou de capangas a sua disposição, coisas muito comuns aos coronéis coiteiros de cangaceiros retratados na literatura.

b) O município de Juazeiro é um dos menores do Ceará, e na época de Lampião não havia nenhum fazendeiro rico em condições de alojar o bando de Lampião com total segurança, sem que as autoridades policiais locais e dos municípios vizinhos tomassem conhecimento.

c) Nenhum Coronel, mesmo se tivesse condições, teria coragem de hospedar Lampião e seu bando em Juazeiro à revelia do Padre Cícero. E Padre Cícero certamente jamais daria autorização para tal.

d) Apesar de ter familiares (irmãs e irmão) morando em Juazeiro, Lampião só se encontrou com eles em Juazeiro quando da sua visita em março de 1926. Mesmo disfarçado, como alguns historiadores insinuam, o cangaceiro jamais visitaria sua família em Juazeiro sem a permissão do Padre Cícero.

e) Acostumado a visitar cidades pequenas de municípios grandes e se alojar em fazendas, distantes do centro urbano, ele sabia que em Juazeiro, devido à pequena extensão do Município, em qualquer local da zona rural em que estivesse acoitado, seria muito fácil de o Padre Cícero e a polícia saberem. Portanto, não valeria o risco.

f) Com tantos problemas de ordem moral para administrar, em face das constantes difamações das quais era vítima, Padre Cícero não seria tolo a ponto de acrescentar este à relação.

g) Em Juazeiro, jamais Lampião estaria seguro seja quem fosse que lhe desse proteção. Só o Padre Cícero o poderia, mas na primeira vez em que o facínora esteve em Juazeiro, pelo motivo já exposto neste trabalho, a atitude do padre foi no sentido de que o visitante indesejável deixasse a cidade o mais rápido possível.

Quem age assim não pode ser classificado como coiteiro de Lampião. Então, afirmar que Padre Cícero foi coiteiro ou protetor de Lampião é conversa fiada, pura leviandade de quem só quer mesmo é denegrir a imagem do Padre Cícero, porquanto não existe nenhuma evidência consistente para comprovação do fato. Isso só cabe mesmo é na cabeça de quem não gosta dele, ou desconhece a sua história.
(Extraído do livro Padre Cícero, Lampião e Coronéis, de Daniel Walker)


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