CORONELISMO

PADRE CÍCERO E O CORONELISMO
Daniel Walker

Até o final do século XIX, esteve em vigor no Brasil, um sistema conhecido popularmente por Coronelismo, cuja política era controlada e liderada pelos ricos fazendeiros então denominados de Coronéis.
Na Velha República, o sistema eleitoral vigente era bastante vulnerável à manipulação. Por isso, os coronéis poderosos compravam votos para seus candidatos ou então os permutavam por bens materiais. Como o voto era aberto (não havia ainda o sistema de urnas), os eleitores se sentiam coagidos e para evitar represálias não havia outro jeito senão votar no candidato imposto pelos coronéis. As regiões sobre as quais os coronéis exerciam poder de mando político ficaram conhecidas como “currais eleitorais”. Entre as fraudes eleitorais praticadas pelos coronéis caririenses estavam o costume de alterar votos, sumir com urnas e o uso abusivo do chamado voto fantasma, o qual consistia em falsificar documentos para que eleitores pudessem votar várias vezes em prol de determinado candidato. Era comum inclusive o voto de pessoas mortas.
Em Juazeiro não existiu propriamente a figura do Coronel dentro do perfil mostrado na literatura. Muitos eram chamados de coronéis porque eram ricos latifundiários, tinham realmente patente militar oficial, ou ainda da Guarda Nacional, cujo título era hereditário ou comprado. Veja-se o caso de Dr. Floro. Foi chamado de Coronel sem ter sido rico fazendeiro. E sua patente de caráter militar era superior, pois era de General. Na verdade, ele foi alcunhado de Coronel pelos seus inimigos, porém de forma pejorativa. Assim como o Padre Cícero o foi.
No Cariri, os coronéis típicos, conforme relação constante no livro do escritor João Tavares Calixto Junior, Considerações sobre a invasão a Lavras em 1910, p. 15:

Existiram nos municípios de Missão Velha (Manoel Ribeiro Dantas e Izaias Arruda de Figueiredo); Crato (José Belém de Figueiredo, Francisco Alves Teixeira e António Luiz Alves Pequeno); Milagres (Domingos Leite Furtado); Aurora (Antônio Leite Teixeira Neto e Cândido Ribeiro Campos), Araripe (Pedro Silvino de Alencar, Miguel Arrais Sobrinho e Antônio Matias); Jardim (Napoleão Franco da Cruz Neves e Romão Pereira Filgueiras Sampaio); Assaré (Antônio Mendes Bezerra); Santana do Cariri (Roque Pereira de Alencar, Manoel Alexandre de Sá e Felinto da Cruz Neves); Campos Sales (Raimundo Bento de Souza Baleco); Porteiras (Raimundo Cardoso dos Santos); Barbalha (João Raimundo de Macedo e Manoel Ribeiro da Costa; Várzea Alegre (Antônio Correia Lima); Brejo Santo (Manuel Inácio de Lucena); Caririaçu ( Pe. Augusto Barbosa de Menezes); Barro (José Inácio de Sousa) e em Lavras da Mangabeira, os Augustos, oligarquia de mais longa predominância, principalmente representados por Gustavo Lima, o mais abastado dos filhos de Dona Fideralina.

Os coronéis desses municípios sim, eram violentos, briguentos, tinham exército particular para se defender ou atacar, matavam ou mandavam matar, e dependendo da situação, tomavam à força o mandato de prefeito dos seus desafetos.

Segundo ainda João Calixto, op. cit., p.16:

O ano de 1901 foi marcado pelo primeiro caso de deposição entre os coronéis no Sul do Estado do Ceará. Em Missão Velha, viu-se o Coronel Santana (Antônio Joaquim de Santana) apear do poder o então intendente municipal (Prefeito, à época), Antônio Róseo Jamacaru. Em 1904, no Crato, José Belém de Figueiredo foi deposto por Antônio Luiz Alves Pequeno e em 1906, o Coronel Neco Ribeiro (Manuel Ribeiro da Costa) foi deposto em Barbalha por Joca do Brejão. Entretanto, foi no período entre 1908 e 1910 que se deram mais contundentes os casos de deposição. Em Campos Sales, 1908, o Coronel Raimundo Bento de Souza Baleco tomava à força o poder de Cipriano Alves Feitosa, e em Aurora, no mesmo ano, o Coronel Totonho do Monte Alegre (Antônio Leite Teixeira Neto) era escorraçado, junto aos correligionários, por um exército de cangaceiros, num ato orquestrado por uma coligação de tiranetes regionais.
Esse era o Cariri dos coronéis, onde Padre Cícero vivia e onde, ainda segundo João Calixto, op. cit., p.16,

Todos os coronéis da região tinham na figura do Padre Cícero Romão Batista, de Juazeiro, o conselheiro. Era o Padre Cícero o homem de maior representatividade no cenário político regional, e a nível nacional, o seu nome ecoava, às vezes, como milagreiro, outras, como Coronel de batinas. Definitivamente, porém, era ao velho sacerdote de Juazeiro, que todos os citados régulos locais recorriam, nas mais diversas ocasiões.

Aconselhar para a paz e agir pacificamente sempre foram os grandes pilares que nortearam a vida política do Padre Cícero. Segundo Ralph Della Cava, op. cit., p.67, Padre Cícero “jamais endossou as expressões agressivas de solidariedade; ao contrário, tudo fez para controlá-las e evitá-las”.
E ele jamais usou a violência para atingir seus objetivos políticos. Aliás, conforme escreveu Otacílio Anselmo, op. cit., p. 357 “Nesse particular, isto é, em se tratando de violência, justiça se faça ao Padre Cícero: ao contrário da maioria dos chefes sertanejos, era incapaz de mandar surrar ou eliminar adversários seus”.

Isso dito por Otacílio Anselmo tem muito mais valor, porquanto este escritor não costumava louvar virtudes do Padre Cícero.

Fim do Coronelismo
O Coronelismo em seu formato original começou a ser extinto com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, como resultado da Revolução de 1930. Em algumas regiões do Brasil desapareceu completamente, mas em outras o Coronelismo continuou mais algum tempo, embora com menos intensidade e adaptado a uma nova realidade. A compra de votos continua até hoje. Mas os atuais chefes políticos, mesmo sendo grandes latifundiários, não são mais chamados de coronéis.

Padre Cícero pode ser chamado de Coronel?
Certamente por ser dono de várias propriedades rurais (embora tenha deixado tudo para a Igreja) e poder para decidir uma eleição, Padre Cícero é considerado por muitos escritores como tendo sido um Coronel. Mas a pecha de Coronel, no sentido como o termo é usado e entendido no Nordeste, não se coaduna com o comportamento e a personalidade do Padre Cícero. Ninguém conhece registro da existência de armas em sua residência ou de capangas à sua disposição, coisas muito comuns aos coronéis de que fala a literatura. Entretanto, até hoje, não existe consenso com respeito a Padre Cícero ser ou não considerado como um Coronel. As opiniões emitidas pelos estudiosos são muito variadas e dicotômicas. Vejamos algumas:

Maria de Lourdes M. Janotti, escritora: Padre Cícero foi o mais célebre de todos os coronéis. (O Coronelismo, uma política de compromissos. p. 73)

José Fábio Barbosa da Silva, professor e escritor: Padre Cícero também era o Coronel dono de imensa força política que passou a representar os romeiros, quando Juazeiro se tornou independente. O Padre Cícero também possuía o status mais elevado, mais alto que o dos coronéis tradicionais. (Organização Social de Juazeiro e tensões entre litoral e interior, p. 78)

Samuel Fernandes Magalhães Costa, médico, evangélico: Padre Cícero era amigo do peito de vários latifundiários da região, conhecidos como “os coronéis”. Esses senhores ilustres eram opressores dos pobres, marginalizavam os sertanejos, excluindo-os do direito à saúde, aos alimentos e até à vida. Pasme, o Padim Ciço pertencia a essa espécie de liga de coronéis do Ceará e a defendia”.
(http://ipc2005.blogspot.com.br/2011/06/aos-pes-do-pa-dre-cicero.htm).

Rui Facó, jornalista: Por que o Padre Cícero desfrutando de enorme popularidade, dispondo de tudo quanto fazia de alguém um Coronel, por que não seria ele um Coronel? Apenas porque vestia batina, ordenara-se padre, fazia milagres? Na verdade, nada diferenciava o Padre Cícero Romão Batista de qualquer dos latifundiários da zona. Utilizou, e em grande escala, os mesmos métodos familiares àqueles, como dar abrigo a capangas e cangaceiros e aproveitá-los ou permitir que outrem os aproveitassem para a consecução de objetivos políticos que também eram os seus. (Cangaceiros e fanáticos, p.161)

José Boaventura de Sousa, historiador e professor: Padre Cícero foi um Coronel, mas um Coronel diferente da conotação que a sociologia aponta. Não foi um Coronel explorador, foi um Coronel porque todos o procuravam como um líder. (Apud, Daniel Walker, Padre Cícero na berlinda, p.71)

Francisco Régis Lopes Ramos, historiador e escritor: Padre Cícero alia-se aos coronéis, mas não se torna um deles. Suas atitudes são de apadrinhamento, de um protetor dos desclassificados, de um conselheiro e não de um político ou Coronel. (Caldeirão, p. 101)

Neri Feitosa, sacerdote e escritor: Ele não tinha patente militar nem da Guarda Nacional. Ninguém o chamou oralmente de Coronel. Por escrito, deram-lhe este epíteto por hipérbole e por analogia. (Padre Cícero e a opção pelos pobres, p. 172)

Marcelo Camurça, historiador: No meu modo de ver o Padre Cícero se relacionou com as oligarquias, transitou na sociedade política, se compôs com os setores dominantes, tanto pela sua condição de sacerdote letrado, um intelectual tradicional, e esta condição o estimulava qual outros padres no Império e na República a ter uma projeção social, quanto pela vontade de ajudar o seu povo, de levar adiante o seu projeto de manter de pé a comunidade do Juazeiro, pela via da conciliação tão marcante na sua visão de mundo. Porém, o Padre Cícero nunca abriu mão de sua identidade sacra, do seu papel de guia religioso, de líder espiritual, para se tornar um político profissional, tampouco abriu mão da mística do “milagre” e de sua visão messiânica, simbólica do catolicismo popular, daquele primeiro sonho que teve quando Cristo encarregou-o de cuidar do Juazeiro e de seu povo. Este sem dúvida não é o perfil de um “Coronel” latifundiário ou de um político das classes dominantes. (Marretas, molambudos e rabelistas. A revolta de 1914 no Juazeiro, p.144-145)
(Extraído do livro: Padre Cícero, Lampião e Coronéis, de Daniel Walker)

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